Nenhum tema poderia ser melhor para o nosso post de estréia. Eu, que adoro uma lista, tive a ideia de começar o blog escrevendo um Top 10 dos livros com inícios mais marcantes. Aqueles livros que, mesmo que você não tenha lido, sabe como ele começa! Ou que, depois de ter lido, nunca esqueceu como ele começa. Antes de ler A Metamorfose, eu já sabia que começava com o personagem acordando e se dando conta de ter se transformado em um inseto. Esse levou o primeiro lugar, mas acabou sendo substituído por outro. A lista acabou ficando assim:
10º O Complexo de Portnoy (1969) - Philip Roth
Ela estava tão profundamente entranhada em minha consciência que, no primeiro ano na escola, eu tinha a impressão de que todas as professoras eram minha mãe disfarçada. Assim que tocava o sinal ao fim das aulas, eu voltava correndo para casa, na esperança de chegar ao apartamento em que morávamos antes que ela tivesse tempo de se transformar. Invariavelmente ela já estava na cozinha quando eu chegava, preparando leite com biscoitos para mim. No entanto, em vez de me livrar dessas ilusões, essa proeza só fazia crescer minha admiração pelos poderes dela.
9º Lolita (1955) - Vladimir Nabokov
Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.
8º Grande Sertão: Veredas (1956) - Guimarães Rosa
Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvores no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro: um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser — se viu —; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão: determinaram — era o demo.
7º A Paixão Segundo GH (1964) - Clarisse Lispector
— — — Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro.
6º O Apanhador no Campo de Centeio (1945) - JD Salinger
Se querem mesmo ouvir o que aconteceu, a primeira coisa que vão querer saber é onde nasci, como passei a porcaria da minha infância, o que os meus pais faziam antes que eu nascesse, e toda essa lenga-lenga tipo David Copperfield, mas, para dizer a verdade, não estou com vontade de falar sobre isso. Em primeiro lugar, esse negócio me chateia e, além disso, meus pais teriam um troço se contasse qualquer coisa íntima sobre eles.
5º Cem Anos de Solidão (1967) - Gabriel García Márquez
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo.
4º Ana Karenina (1873) - Liev Tolstói
Todas as famílias felizes são parecidas entre si. As infelizes são infelizes cada uma a sua maneira.
3º Orgulho e Preconceito (1813) - Jane Austen
É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa. Por pouco que os sentimentos ou as opiniões de tal homem sejam conhecidos, ao se fixar numa nova localidade, essa verdade se encontra de tal modo impressa nos espíritos das famílias vizinhas, que o rapaz é desde logo considerado a propriedade legítima de uma das suas filhas.
2º A Metamorfose (1915) - Franz Kafka
Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo de qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas numerosas pernas, lastimavelmente finas em comparação com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante dos seus olhos.
1º Memórias Póstumas de Brás Cubas (1880) - Machado de Assis
| Volume dedicado pelo próprio autor à Fundação Biblioteca Nacional |
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a
primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
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Procurei alguma lista do gênero na internet e acabei achando essa: 15 melhores inícios de livros. A lista é da Revista Bula e foi construída com base na opinião de leitores. De 55 livros citados pelos leitores do site, foram selecionados os 15 mais citados. A lista tem nada menos do que sete títulos em comum com a minha! Eu não copiei nenhum item, fiz a minha antes de ler o texto da revista. Prova de que são realmente livros com inícios marcantes! E claro que, sendo uma lista um pouco maior, teve maior chances de haver coincidências.
Os únicos títulos que aparecem na minha lista e que não aparecem na da Revista Bula são Orgulho e Preconceito; Memórias Póstumas e A Paixão segundo GH. Mas para mim está bastante justificada a inclusão dos três e não de quaisquer outros.
E então, o que acharam da lista?! Espero que sirva de inspiração ou, pelo menos, que sirva para algum diálogo. Bem, já é um início...
Bem vind@s!
Bem vind@s!
Menina... Gostei disso. Vamos sharear as listas como post?
ResponderExcluirSim. Já tinha pensado nisso. É uma boa maneira de compartilhar as nossas listas e deixá-las registradas tb. Pode publicar a sua quando quiser, já te mandei o convite para ser autora.
ResponderExcluirMemórias póstumas...é bom do início até o fim!
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